Frases como “reumatismo é doença de idoso” ou “doenças reumatológicas só ocorrem em velhos” frequentemente pronunciadas, infelizmente transmitem um conceito errôneo. Desde o surgimento da Reumatologia Pediátrica na Europa, em meados da década de 1940, até o reconhecimento desta especialidade no Brasil pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) em 1984, muito se evoluiu no conhecimento das doenças reumatológicas que afetam crianças, desde recém nascidos até a adolescência, proporcionando a estes pacientes as possibilidades de um diagnóstico mais precoce, acompanhamento mais específico, tratamento mais adequado, evolução sem sequelas e consequente melhoria na qualidade de suas vidas.
Em 1997, o Certificado de Habilitação na Área de Atuação da Reumatologia Pediátrica, foi unificado através da SBP, SBR e AMB. Conferido-os apenas para os já possuidores de títulos de especialistas nas áreas de reumatologia e/ou pediatria, com a experiência de mais dois anos nesta área de atuação, em reconhecido serviço de ensino da especialidade. Tal formação exige no mínimo mais 5 anos de dedicação integral, após a conclusão do curso de graduação em medicina, para que o médico se torne um Especialista em Reumatologia Pediátrica.
Existem peculiaridades que fazem com que as crianças e adolescentes portadores de doenças reumatológicas, muitas vezes crônicas e debilitantes, sejam avaliadas com um enfoque diferente dos adultos, devido às várias mudanças nos seus organismos, resultantes dos constantes processos de crescimento e desenvolvimento físico e psíquico. Suas manifestações clínicas variarão, devido às diferentes fases cronológicas da vida, na duração da doença e nas sequelas que possam ocorrer; assim sendo, os cuidados médicos dispensados a eles dependem de uma associação da compreensão pediátrica com o entendimento reumatológico.
Certas doenças reumatológicas pediátricas podem causar sequelas como, por exemplo, na artrite idiopática juvenil que, por afetar articulações em quantidades e gravidades variadas, causando dores, inchaços e rigidez, comprometem as cartilagens de crescimento, provocam atrofias musculares, deficiências das funções dos segmentos corpóreos afetados, inadequação da ingestão de nutrientes e inatividade, dentre outros, limitando o pleno desenvolvimento do peso e da estatura, que seriam atingidos durante a infância e final da adolescência, além de importantes alterações psicológicas. Também são tratadas pelo reumatologista pediátrico, doenças como a febre reumática, vasculites, dores de crescimento, artrites infecciosas e pós-infecciosas, sinovites, tendinites, dores em membros de diversas origens e várias outras.
Em geral, as doenças crônicas, como a artrite idiopática juvenil, o lúpus eritematoso sistêmico, a dermatopolimiosite, a esclerodermia, as vasculites, apresentam alto grau de inflamação das estruturas afetadas, envolvendo a participação de mecanismos imunológicos que encontram-se alterados (sendo por isso também conhecidas por doenças autoimunes) exigindo tratamentos diversos. Em associação ao tratamento medicamentoso, frequentemente se necessita do acompanhamento de outras especialidades médicas e não médicas, como a fisioterapia, terapia ocupacional, psicologia, nutrição, odontologia.
Desta maneira, estas crianças e adolescentes serão muito bem conduzidas e acompanhadas clinicamente pelos reumatologistas pediátricos nesta fase da vida e, por serem doenças de longa evolução, estes especialistas farão, ao longo do devido tempo, a transição destes jovens para o correto e desejável encaminhamento ao reumatologista que os acompanharão durante a vida adulta.
Como reconhecer quando uma criança ou adolescente deve ser encaminhado ao reumatologista pediátrico?
Todas as vezes em que uma ou mais queixas ou sintomas listados abaixo estiverem presentes, deve-se considerar a hipótese da existência de doença reumatológica e consultar um especialista:
- Aparecimento de maneira inexplicável e prolongada ou recorrente de: – febre – fraqueza – perda de apetite – anemia – fadiga – dores em um ou mais membros superiores ou inferiores – vermelhidão ou manchas roxas na pele
- Dor, inchaço, calor e vermelhidão em uma ou mais articulações;
- Dificuldades para iniciar movimentos articulares logo pela manhã; dores nas costas recorrentes.
- Queixas visuais como dor, vermelhidão, ardência ou sensação de “estar com areia” nos olhos .
- Limitação da funcionalidade, ou seja, necessitar de auxílio de outra pessoa para realizar tarefas habituais como se sentar, deitar, levantar, andar, escrever, subir e descer escadas.
- “Tics nervosos” ou movimentos involuntários, de aparecimento súbito, nos membros superiores, inferiores e/ou cabeça.
- Depressão, cansaço e falta de sono
- Testes (exames) laboratoriais reumatológicos alterados.
- Encaminhamento, feito por profissional, para confirmação, suspeita e/ou acompanhamento de doenças reumatológicas e autoimunes.
Nestas situações devem ser evitados a utilização de medicamentos por conta própria, “simpatias” ou remédios caseiros na tentativa de cura, mas sim procurar um reumatologista pediátrico, pois o retardo no encaminhamento destas crianças e adolescentes ao especialista, resultará, consequentemente, em atrasos no diagnóstico, no tratamento, no seguimento e, sobretudo na prevenção de danos permanentes que poderão ser evitáveis.
Dr. Paulo Roberto Stocco Romanelli
Médico Especialista em Reumatologia e Reumatologia Pediátrica. Médico do Núcleo Avançado de Reumatologia do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo. Membro da Comissão Científica da SPR – Sociedade Paulista de Reumatologia e do Departamento de Reumatologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo – SPSP e da Sociedade Brasileira de Pediatria.