Editorial
A síndrome antifosfolípide e seus desafios
DOI: https://doi.org/10.46833/reumatologiasp.2018.17.2.5-6A síndrome antifosfolípide (SAF) é a principal trombofilia adquirida e deve ser lembrada quando pacientes jovens sofrem tromboses e/ou perdas gestacionais recorrentes. O diagnóstico requer a pesquisa de anticorpos antifosfolípides repetidos e confirmados em um prazo ≥ 12 semanas1.
A doença foi descrita na década de 1980 e, dada a raridade, inúmeros aspectos dela continuam não esclarecidos. Colaborações de pesquisas internacionais como o APS Action, estudo prospectivo multicêntrico com coleta de dados clínicos e laboratoriais, prometem ajudar nas pesquisas para melhor entendimento da SAF2.
Nós só diagnosticamos o que conhecemos. No caso da SAF, inúmeras vezes o diagnóstico é feito apenas após múltiplos eventos, o que aumenta a morbiletalidade dos pacientes. Por outras vezes, pacientes são anticoagulados de forma indevida, o que também aumenta a morbiletalidade. A avaliação do paciente deve ser feita de forma individual e criteriosa.
Manifestações não critério como doença valvar, livedo, plaquetopenia, nefropatia e distúrbios cognitivos devem ser lembradas como possíveis manifestações da doença, o que pode inclusive sugerir o diagnóstico antes de um evento trombótico3.
Hoje reconhecemos que alguns pacientes apresentam um fenótipo de doença com maior gravidade (triplo positivos) e continuam tendo tromboses apesar de estarem anticoagulados de forma adequada. Esses indivíduos precisam ser mais bem caracterizados para que possamos tratá-los de forma diferenciada para redução do risco de novos eventos4. Por outro lado, dada a baixa prevalência de tromboses/ano em um indivíduo anticoagulado de forma adequada, são necessários muitos pacientes para identificação desses fatores de risco para retrombose. Daí o benefício de esforços internacionais que reúnam essa casuística e sejam capazes de trazer essas repostas5.
Indivíduos com as chamadas manifestações não critério são pouco responsivos à terapêutica convencional da síndrome, à anticoagulação e novos alvos como: inibidores da C5 convertase, inibidores da via mTORC, inibidores de fatores de ativação plaquetária, aparecem no cenário como opções terapêuticas para esses casos6. A velha conhecida, cloroquina, apresenta papel adjuvante no tratamento de pacientes refratários à anticoagulação, assim como as estatinas e a vitamina D7. Os novos anticoagulantes orais diretos estão sendo avaliados em estudos prospectivos randomizados, como o trial Traps e Astro APS; em breve, deveremos saber sobre o perfil de segurança dessas drogas nesses pacientes8.
Em um cenário de catástrofe, devemos lembrar do importante diagnóstico diferencial de síndrome catastrófica, forma rara de SAF que afeta menos de 1% dos pacientes. Esse diagnóstico deve ser lembrado nas unidades de emergência e de tratamento intensivo. A tempestade de citocinas leva a tromboses de vários órgãos ao mesmo tempo, e no tratamento deve ser instituída imunossupressão com ciclofosfamida, metilprednisolona e o uso de gamaglobulina, além da plasmaférese9.
Assim é a síndrome antifosfolípide, por vezes silenciosa como na microangiopatia trombótica renal, por vezes barulhenta como na forma catastrófica. O pronto reconhecimento da doença é necessário, para isso trabalhamos em várias frentes que permitam aos médicos em formação reconhecerem a doença, serem capazes de diagnosticar e tratar essa enfermidade.
Temos como meta a criação de um registro nacional de SAF no Brasil que nos permita caracterizar a SAF perante a heterogeneidade genética de nossa população. A assinatura de genes de Interferon tipo I é uma das futuras promessas como possível alvo terapêutico, além de ser um campo para melhor entendimento da patogenia dessa trombofilia10.
Neste número da revista o colega leitor poderá acompanhar algumas das controvérsias existentes na síndrome, que envolvem anticorpos antifosfolípides não critério, tratamento e reconhecimento das manifestações não critério, apresentação dos dados obtidos na última Task Force, publicada após o XV Congresso Internacional de Anticorpos Antifosfolípides, além de rever algumas dicas práticas de como manter o paciente em ponte de heparina pré e pós-eventos cirúrgicos e outras dicas de nutrição e orientação para o dia a dia.
Devemos ressaltar que o acompanhamento da SAF deve ser feito por uma equipe multidisciplinar, para abordagem de todos aspectos que a síndrome envolve.
Esperamos que todos gostem da leitura e participem dessa campanha de educação para o melhor manejo da síndrome antifosfolípide.
Danieli Andrade
REFERÊNCIAS
- Miyakis S, Lockshin MD, Atsumi T, Branch DW, Brey RL, Cervera R, et al. International consensus statement on an update of the classification criteria for definite antiphospholipid syndrome (APS). J Thromb and Haemos. 2006;4:295-306.
- Barbahaya M, Andrade D, Erkan D. AntiPhospholipid Syndrome Alliance for Clinical Trials and InternatiOnal Networking (APS ACTION): 5-Year Update. Current Rheumatology Reports. 2016;18:64-70.
- Rosa R, Ugolini-Lopes M, Zeinad-Valim A, D’Amico E, Andrade D. Difficult Clinical Situations in the Antiphospholipid Syndrome. Current Rheumatology Reports (Print). 2015;17:20-29.
- Pengo V, Ruffatti A, Legnani C, Gresele P, Barcellona D, Erba N, et al. J Thromb and Haemost. 2010;8:237-42.
- Andrade D, et al. Antiphospholipid Syndrome. Erkan D, Lockshin MD. Springer. Current Research Highlights and Clinical Insights. p. 317-40, 2017.
- Canaud G, Kamar N, Anglicheau D, Esposito L, Rabant M, Noël LH, et al. Eculizumab improves post-transplant thrombotic microangiopathy due to antiphospholipid syndrome recurrence but fails to prevent chronic vascular changes. Am J Transplantation. 2013;13:2179-85.
- Broder A, Putterman C. Hydroxychloroquine use is associated with lower odds of persistently positive antiphospholipid antibodies and/or lupus anticoagulant in systemic lupus erythematosus. J Rheumatol. 2013;40:30-3.
- Pengo V, Banzato A, Bison E, Zoppellaro G, Padayattil Jose S, Denas G. Lupus. 2016;25:301-6.
- Rodriguez-Pintó I, Espinosa G, Cervera R. Catastrophic antiphospholipid syndrome: The current management approach. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2016;30:239-49.
- Iwamoto T, Dorschner J, Jolly M, Huang X, Niewold TB. Associations between type I interferon and antiphospholipid antibody status differ between ancestral backgrounds. Lupus Sci Med. 2018;13;1-4.
Momento de descontração no dia da palestra realizada para os pacientes com síndrome antifosfolípide na Universidade de São Paulo.
Grupo multidisciplinar com educador físico (Leonardo Baleeiro), fisioterapeuta (Thalita Fitipaldi), nutricionista (Karin Klack), aluno da graduação (Eliezer Cunha), pós-graduandos (Dra. Renata Rosa, Dra. Iana Nascimento, Dra. Michelle Ugollini), bióloga (Ana Gândara) e assistente (Dra. Michelle Remião Ugolini-Lopes) do Ambulatório de SAF do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade São Paulo, da equipe da Dra. Danieli Andrade.
Artigos
Manifestações critério e não critério na síndrome antifosfolípide
Michelle Remião Ugolini-Lopes
Maria Teresa Correia Caleiro
Manifestações neurológicas da síndrome do anticorpo antifosfolipídio
Irapuá Ferreira Ricarte
Lívia Almeida Dutra
Novos anticorpos antifosfolípides. Quando pedi-los?
Iana Sousa Nascimento
Danieli Andrade
Diagnóstico diferencial com outras trombofilias
Iana Sousa Nascimento
Danieli Andrade
Tratamento de SAF baseado na Força Tarefa Internacional
Danieli Andrade
Michelle Ugollini Remião Lopes
Manejo perioperatório em pacientes com síndrome antifosfolípide
Nafice Costa Araujo
Renata Ferreira Rosa
Dicas práticas sobre a doença para pacientes: dieta, medicação e hábitos de vida
Maria Ester Simeira Fonseca Ribeiro
Karin Black
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