Homenagem
José Carlos Nunes Tamashiro
No dia primeiro de junho de 2020 a Disciplina de Reumatologia da UNIFESP perdeu um querido aluno. Mais uma vítima que teve a vida abruptamente interrompida pela Covid 19.
A perplexidade e a tristeza vão nos acompanhar ainda por muito tempo. Não só porque ainda estamos atônitos por esse caos em que se transformou o mundo desde que essa pandemia começou, e a cada vítima que faz, nos lembra o quanto a vida pode ser breve. Não só porque, dessa vez, nos levou alguém muito próximo. Mas, principalmente, porque agora nos levou alguém muito querido.
E era isso que o José Carlos Nunes Tamashiro era: alguém querido por todos. O Zé, durante os quase 10 anos em que esteve na nossa disciplina, sempre foi uma unanimidade nesse aspecto. Um ortopedista – pois é, um ortopedista – que chegou de mansinho com o sonho de realizar mestrado e doutorado. E realizou esse sonho. Vinha de uma família sem tradição acadêmica, mas que sempre o apoiou na sua vontade. Teve pais, irmãs, esposa e filhos que se orgulhavam dos seus projetos, dos seus sonhos. E eu tive o prazer de ser a sua orientadora durante todo esse sonho.
Ele sempre demonstrou ser um aluno dedicado, determinado, incansável, sonhador… Aquele tipo de aluno que segue as ideias do orientador sem questionamentos, sem medos. E parecia querer mais e mais…
No seu mestrado, trabalhou com ultrassom articular de indivíduos saudáveis. No seu doutorado, teve um grande desafio, o de realizar um estudo muito mais complexo e trabalhoso comparando o plasma rico em plaquetas intra-articular com outras duas intervenções, estudo esse cujos dados parciais são apresentados nas páginas desta edição da revista.
Foi presença constante em nossos ambulatórios durante todo esse tempo, ajudando e, principalmente, tentando organizar – o Zé era muito organizado – a assistência médica pública em nosso meio.
Todos esses detalhes parecem tão técnicos quando são lidos aqui. Parecem pequenos comparados à figura tão simpática e contagiante que ele era, conseguindo fazer facilmente interface por onde passava, nas especialidades afins à reumatologia. Era divertido ser surpreendida com reumatologistas, ortopedistas, radiologistas, fisiatras, pessoas da indústria farmacêutica, que me encontravam e comentavam terem conhecido “aquele seu aluno tão empolgado”, e eu falava “já sei, o Zé!”.
Tão empolgado que durante o breve momento em que recobrou a consciência e saiu da ventilação mecânica me mandou o seguinte recado inusitado: “Segure aquela bolsa de pós-doutorado para mim. Eu vou voltar!”
Infelizmente o Zé não vai voltar… E a sua partida nos destroça o coração. Por sua tão pouca idade, por sua recuperação quase certa, pela rapidez em que partiu.
Ainda entendemos tão pouco e nos estarrecemos com a transformação rápida provocada por essa pandemia no mundo. Acho que o mundo sairá diferente desse momento, e dará muito mais valor ao que realmente importa no final das contas: as relações interpessoais.
Quando pessoas tão jovens, queridas e entusiastas são arrancadas subitamente de suas vidas por esse vírus estúpido, para a família e os amigos, imagino que fique o consolo de terem tido a sorte da convivência, mesmo que breve.
Dizem que a morte é como um navio partindo: muito triste e cada vez mais distante para quem fica no porto de partida; cada vez mais próximo e feliz para o porto aonde vai chegar. Se realmente for assim, o Zé vai ser um grande navio a atracar.
Rita Furtado