A Reumatologia é uma das especialidades que frequentemente investiga, acompanha e trata os pacientes com doenças raras. No total, são mais de 7 mil doenças raras catalogadas
O dia 29 de fevereiro foi escolhido pela Organização Europeia como o Dia Mundial das Doenças Raras exatamente porque é uma “data rara”. Nos anos não bissextos, como em 2023, essa data é lembrada em 28 de fevereiro, “mas, desde 2008 quando foi instituída a data, o objetivo é um só: conscientizar sobre a existência desse diverso grupo de doenças cujo grande desafio ainda é o diagnóstico precoce, o reconhecimento pelo médico”, alerta o reumatologista, membro da Sociedade Paulista de Reumatologia, Dr Sandro Perazzio, que coordena a Comissão de Doenças Raras da Sociedade Brasileira de Reumatologia.
Dificuldade do diagnóstico ainda é um dos principais desafios
A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica como rara qualquer doença que acometa até 65 pessoas a cada 100 mil indivíduos. Mas esse conceito ainda não é consenso. Diferente da OMS, a União Europeia e a NORD (National Organization for Rare Disorders), por exemplo, consideram a proporção de 50 casos para cada 100 mil.
“Cerca de 72% dos diagnósticos são doenças de origem genética, mas também podem ter causas infecciosas ou imunológicas. As doenças raras caracterizam-se por uma grande diversidade de sinais e sintomas que variam não só de uma doença para outra, mas também entre um paciente e outro, mesmo que tenham diagnósticos similares”, explica o reumatologista.
Maior parte das doenças raras tem origem genética
Estima-se que existam 7 mil doenças raras no mundo já catalogadas pelos médicos. Baseados no Orphanet, um banco de dados europeu, pesquisadores estimaram, em 2020, que até 5,9% da população mundial (ou 446 milhões de pessoas) tenha alguma doença rara. Extrapolando esses dados para o Brasil, a estimativa é de até 12,2 milhões de brasileiros com alguma doença rara. Em 2014, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, criando as bases para a formação da Rede Brasileira de Doenças Raras.
DESAFIOS DO DIAGNÓSTICO: “Passei 36 anos da minha vida sendo diagnosticado como alérgico a medicamentos. Tive várias crises com rash cutâneo (manchas avermelhadas na pele), algumas com febre de 42ºC. Passei por dezenas de especialistas, fiz centenas de exames e tomei muito antialérgico, até ser diagnosticado em 2017 com a Síndrome de Schnitzler . Para mim, a maior dificuldade são os exames e tratamentos caros, opiniões divergentes e o desconhecimento médico sobre minha doença, quando preciso de atendimento em algumas unidades de saúde,” relata o aposentado mineiro Ivan, de 63 anos.
A vivência da publicitária paulista Vanessa, de 47 anos, com duas doenças raras, também é de desafios: “Além da doença de Crohn, que trato desde os 15 anos de idade, nos últimos 4 anos fiz tratamentos dermatológicos sem sucesso para curar muitos pruridos que apareciam em minha pele. A coceira era tão intensa que fazia feridas. Tive ‘sorte’ quanto ao tempo de espera para o diagnóstico. Só foi necessária uma consulta com reumatologista para identificar a dermatomiosite amiopática. Falo em ‘sorte’ pois com a doença de Crohn, foram dezenas de consultas, exames e prognósticos inconclusivos. O alerta que deixo é: A doença não vai desaparecer se você a ignorar. Vá ao médico, não espere. A sua vida pode ter mais qualidade, você pode impedir sintomas e avanços irreversíveis. Sei na pele o quanto é complexo começar a encarar, mas garanto que vale a pena.”
O jovem Wagner, hoje aos 25 anos, tinha muita febre e dores articulares quando adolescente. Chegou a fazer vários exames de dengue, mas era medicado e dispensado. Depois de uma forte crise no rim, pulmão e com trombose no cérebro, ele descobriu que tinha lúpus eritematoso sistêmico, dermatomiosite, vitiligo e mais recentemente a causa genética que une todos essas doenças: a haploinsuficiência de NF-kB2. Com o agravamento das doenças seu rim paralisou, levando-o à hemodiálise três vezes na semana e a necessidade de um transplante de rim, além de outras debilidades. Wagner é muito consciente da importância de um diagnóstico precoce: “Não se deve esperar. A gente tem essa mania de sempre só tomar analgésico e tudo bem. Mas o tempo vai passando, as dores se agravando, e depois é bem mais difícil o médico nos ajudar. Penso que se tivesse descoberto e tratado mais cedo as minhas doenças, eu não estaria como hoje.”
O jovem Wagner, aguarda transplante de rim enquanto trata de lúpus, dermatomiosite e vitiligo, com a haploinsuficiência NF-kB2
Embora já apresentasse sintomas há 5 anos, apenas há dois meses a jovem Larissa, de 26 anos, descobriu ter a Doença de Still, após uma forte crise que a levou à internação e a fez pesquisar e se conscientizar sobre as doenças raras: “Há muita dificuldade de diagnóstico dessas doenças, quanto mais as pessoas conhecerem e falarem sobre elas, maior a chance de buscarem um profissional que possa dar à devida atenção.”
Dr. Sandro Perazzio lembra que além da dificuldade de identificação pelos médicos, há outros complicadores na jornada desses pacientes: acesso aos exames, geralmente realizados apenas em centros de referência; custo elevado para diagnóstico e tratamento, nem sempre contemplados pelo serviço público de saúde ou disponíveis em território nacional; e carência de profissionais especializados na área.
Mas o médico também sinaliza com otimismo: “Já há pesquisas científicas e tratamentos genéticos inovadores em estudo que, em um futuro próximo, deverão trazer a cura para muitas dessas doenças. O desafio é continuarmos com as doenças raras, mas não órfãs. E é exatamente essa a conscientização que o dia 28 de fevereiro busca nos trazer.”
Doenças Raras NAS TELAS E GIBIS:
Turma da Mônica – Em 2019 a turma ganhou o personagem Edu, um menino de 9 anos, que tem Distrofia Muscular de Duchenne – uma doença genética rara.
Extraordinário – O filme, lançado em 2017, retrata a síndrome de Treacher Collins, uma doença rara congênita.
Óleo de Lorenzo – Filme com história verídica que retrata a Adrenoleucodistrofia (ALD)
Fonte médica: Dr. Sandro Perazzio é reumatologista, membro da Comissão de Mídia da Sociedade Paulista de Reumatologia, professor afiliado da Disciplina de Reumatologia – Universidade Federal de São Paulo, médico assistente-Doutor do Setor de Imunologia do Laboratório Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e coordenador da Comissão de Doenças Raras da Sociedade Brasileira de Reumatologia.
Dr. Sandro Perazzio falou sobre Doenças Raras para cerca de 600 reumatologistas durante o Curso de Revisão da Sociedade Paulista de Reumatologia, em fev/2023